por Patanga Cordeiro
No dia 16 de setembro assisti um filme biográfico sobre um espadachim e buscador japonês chamado Miyamoto Musashi, que viveu no século XVII.
No dia 18 de setembro fui assistir o Jorge Pina, maratonista paralímpico, correr a maratona paraolímpica no Rio de Janeiro.
O Jorge Pina é alguém que considero meu amigo não pelo tempo que consigo passar com ele, que é pouco, pois ele mora em Portugal e eu no Brasil, mas sim por quanta alegria e inspiração ele me transmite quando falo com ele ao telefone ou vejo-o pessoalmente mesmo por poucos dias. Conheci-o pela primeira vez em Nova Iorque, numa visita ao jardim de meditação do meu mestre Sri Chinmoy, e depois pude conhecê-los melhor em Portugal quando estive lá para a inauguração de uma estátua de Sri Chinmoy em Figueira da Foz. Mais algumas coincidências entre nossos hábitos são a participação na Peace Run, a meditação, a participação em ultra maratona de 10 dias, etc.
Agora, esquecendo de mim, ao assistir o filme sobre Miyamoto Musashi e à maratona paralímpica do Jorge Pina, a similaridade da vida e obra de ambos se mostrou evidente. Aí fiquei inspirado a escrever!
Primeiros anos – solidão e dificuldades
Miyamoto Musashi (宮本 武蔵, c. 1584 – 1645) era filho de um esgrimista e era órfão. No filme que assisti, que é uma versão em novela, a história conta que num certo momento ele sai da vila onde morava para tentar ganhar glória em uma batalha. Ao retornar, não é reconhecido e acaba ferindo pessoas que o impediram de retornar. Assim, ele passa a ser procurado como um criminoso, vivendo nas florestas, passando fome e ferindo mais e mais pessoas que o caçavam. Um monge budista conseguiu capturá-lo usando comida como isca e deixou-o ser humilhado pelos habitantes da vila como lição de humildade. Mais tarde, Musashi foi solto e começou a fazer mais e mais duelos mortais contra espadachins famosos, sempre vencendo, é claro.
Jorge Pina nasceu em 1976 em Portimão, Portugal. As dificuldades com o pai em particular o fez deixar o lar. Morava pelas ruas, em automóveis, banhava-se numa caserna dos funcionários da prefeitura. Passou por um período de dependência química e depois pelo exército, onde aprendeu a gostar de servir os outros. Mas foi o boxe o que realmente deu um rumo inicial na vida do Jorge. O Jorge Pina levou o boxe a um certo nível de perfeição, chegou a ser campeão nacional de Boxe, mas, assim como o Musashi, ainda não tinha uma visão mais ampla da vida. Tinha as vitórias, mas não a satisfação de quem encontra a si mesmo. (foto Patanga Cordeiro)
Sucesso aparente x auto-descoberta
Preocupado com a as mortes e duelos realizados pelo Musashi e pensando que havia algo além que poderia encontrar, o mesmo monge mais uma vez conseguiu convencê-lo a acompanhá-lo até um castelo, do qual o senhor do castelo era amigo do monge, com o intuito de conseguir aplicar a força bruta de Musashi de forma mais direcionada, como um vassalo samurai. Só que, desta vez, ele prendeu o Musashi num cômodo repleto de livros de filosofia e religião. Musashi passou três anos trancado, lendo todos os livros que havia lá. Ao sair, foi concedido o status de samurai e passou a vagar um pouco pelo país para aprender mais. Ele mudou. Continou vencendo duelos, mas não tinha satisfação.
Pouco a pouco foi aprendendo o que era ser um ser humano de verdade e, ao fim, já não buscava mais duelos contra os outros. Ele vi as dificuldades como oportunidades para aperfeiçoar a si mesmo. Os inimigos, os amigos, as crianças, monges, todos faziam parte da sua escola da vida.
Com os títulos e vitórias profissionais e desportivas do Jorge, vieram os acidentes na vida de um lutador. Em um treino de boxe, sofreu problemas com a visão. Após as operações recomendadas pelos médicos, ainda mais visão foi perdida, e agora tem 10% de visão no olho direito apenas. Mas o Jorge, ao invés de se desesperar, mostrou então quem realmente era.
“Acabei por cegar, e essa cegueira veio transformar-me no ser humano que sou hoje, porque eu costumo dizer que dantes é que era cego, agora é que vejo, vejo de uma forma diferente nítida e clara, e sei o que eu quero para mim e o que quero passar para os outros.”
Ele começou a correr maratonas, dedicando-se de tal forma que chegou a nível olímpico. Mas o propósito já não era mais ganhar.
“A minha corrida é uma corrida muito interior. Sou uma pessoa que gosta de se desafiar, e o meu maior adversário sou eu mesmo. Tenho muita fé, aprendi a conhecer a mim e a querer entender o mundo e o universo e fui aprendendo com a vida. Ela ensinou-me a não precisar de ver para acreditar.”
Não posso deixar de mencionar que, assim como o Musashi teve pessoas que o influenciaram de forma importante, a Raquel (em quem também vi grandes e positivas mudanças mesmo em pouco tempo), os guias de corrida do Jorge (esqueci o nome, desculpem, mas lembro dos seus rostos e que são pessoas com um brilho extraordinário além de grandes atletas), treinadores, etc, todos fizeram parte da escola da vida do Jorge, que agora consegue também nos ensinar através do seu exemplo e da sua alegria. E a própria mídia cumpre um papel importante ao compartilhar conosco a bondade que emana de tais seres humanos.
É interessante ver cmomo as pessoas desabrocham tal como flores. Eu também era uma pessoa diferente do que sou hoje, até o momento em que apareceu uma “primavera”. Então tudo mudou rapidamente, para melhor, muito melhor. Lembro bem como a minha vó mudou muitíssimo após os 75 anos de idade, da noite para o dia.
Como eu costumo me basear nos ensinamentos de Sri Chinmoy para o meu dia a dia, vi no Jorge uma representação viva de diversas qualidades que busco para mim mesmo. Um guerreiro da alma.
Each blazing warrior-soul
Is God in preparation
For His own ever-transcending Self
Inside the Satisfaction-Dream
Of His ever-transcending Vision-Reality.
Cada ardente alma-guerreira
É Deus preparando
O Seu próprio sempre-transcendente “Eu”
Dentro do Sonho-Satisfação
Da Sua sempre-transcedente Visão-Realidade.
Sri Chinmoy, Ten Thousand Flower-Flames, part 27, Agni Press, 1982
Servindo os outros
Musashi, experiente e esclarecido, dedicou-se à arte e filosofia, escrevendo um tratado de estratégia e ensinamentos chamado de o Livro dos Cinco Anéis(五輪の書 Go Rin no Sho). O tratado não precisava se limitar ao combate. A aplicação é geral, e o próprio autor utilizou seus ensinamentos para se tornar um grande artista e pintor sem o auxílio de tutores. Ele faleceu em 1964, supostamente de causas naturais.
Além da Associação Jorge Pina (para crianças em estado vulnerável), e de projetos como o ‘Music Boxe’, que combina junto dos mais novos o boxe, a dança e a música, Jorge Pina criou também a primeira Escola de Atletismo Adaptado em Portugal, para pessoas com deficiência. O Pina também atua muito junto da Sri Chinmoy Oneness Home Peace Run (a Corrida da Paz)
“Não criei a escola para criar campeões do mundo no desporto, e os meus projetos não são para criar campeões no desporto, mas que eles possam ser campeões do mundo na vida. O maior combate e a maior corrida é a corrida da vida, e às vezes nós esquecemo-nos dela e queremos só correr nas outras corridas e essa é a mais importante”, sublinha.
Os dois me lembram muito, e espero que sua inspiração continue servindo a humanidade.
Agora tem uma coisa que eu gosto mais no Jorge do que no Musashi: ele ainda está vivo, e tenho certeza que voltarei aqui nesta página para adicionar as tantas mais coisas que ele ainda fará, na sua condição de instrumento de uma vontade maior.
Obrigado, Jorge.
Quem tiver interesse em ler mais sobre a sua vida, pode ler o livro “A Visão depois da Cegueira”, que é uma autobiografia do Jorge. Eu tenho um exemplar autografado!